sexta-feira, 10 de julho de 2015

Lidando com as Perdas

Todos nós em algum momento já perdemos alguma coisa. Perdemos a caneta, o guarda-chuva, os óculos, o dinheiro, o carro, pessoas amadas, a juventude, a beleza, a saúde e um dia a maior de todas as perdas, a nossa própria vida.

Aquilo que hoje com muito trabalho adquirimos, amanhã já o teremos perdido. O que está reunido não se manterá, será espalhado. Esta é uma grande força, tal que, nem as mais poderosas nações subsistiram diante da contingencia de tudo.

Devemos perceber desta forma, que a única coisa em nossa vida que não é incerta, é a impermanência de tudo inserta em nossa vida. Sendo esta uma verdade consumada de nossa realidade, o apego desmedido a coisas e pessoas não passa de uma ilusão criada por uma mente sem profundeza sobre a mecânica da vida. A propósito, a diferença que há entre pessoas, é justamente a maneira em que cada uma lida com suas perdas. Enquanto uma perde a lapidação de seu caráter com base em suas perdas na vida, a outra se refina e se projeta. A primeira se vitimiza e permanece tolhida, enquanto a segunda adquire mais e melhor controle de sua vida por extrair lições.

Apesar das perdas serem em grande parte externas a nossa pessoa, elas são experimentadas dentro de nós, em bases bem mais profundas do que o nível das emoções; tão profundas quanto o âmago do espírito. Tanto mais percebido isso quanto mais profunda a emoção destilada. Não que a emoção influencie no espírito, mas a emoção exalada é o termômetro do impacto que o espírito recebeu, é sua manifestação e rasoura. A propósito, espíritos evoluídos são resilientes, conseguem absorver o impacto sem se deformarem permanentemente ou até mesmo nem se dão conta da perda, por outro lado, espíritos sem profundeza são duros como uma rocha, se partem em pedaços quando são impactados. Com base nestes extremos, há portanto, diversos níveis intermediários de evolução até chegar a resiliência.

Apesar de termos a consciência da transitoriedade e casualidade de tudo, as perdas são semelhantes a um elefante branco em nossa sala de estar, custou caro, incomoda, dá despesas e não possui utilidade alguma. Tentamos negar, porém, ficamos ruminado aquele fato. Conheço espíritos primevos que deixam escapar-lhes a alegria de possuírem um novo animalzinho de estimação, pelo simples fato do pavor de outra perda, optam pelo triste encasulamento ante a beleza e liberdade de uma borboleta. Nestas condições os lábios podem expressar um sorriso porque é de graça, mas o brilho próprio de sua genuinidade, este custa o preço da evolução e do compromisso com a vida... vida esta, que é frágil, vulnerável e quebra fácil. Não a tornemos ainda mais fraca quando poderíamos ter algum domínio.    

Não quero supor com isso que não devemos chorar ou sermos insensíveis diante de uma perda, pois isto seria desumano ou a evidência de um espírito rochoso. Entenda, existe uma enorme diferença entre desistir e permitir ir. Assim, o aprendizado é quase em sua totalidade prático e portanto, menos teórico. Não vamos de um nível inferior a outro superior sem as dores deste aprendizado. Neste quesito, o indivíduo inexperiente pode não expressar necessariamente sua dor por causa de seu ego ou da insensibilidade dos outros também inexperientes, desta forma, nós também precisamos ser mais sensíveis diante da dor alheia, até porque, não sabemos das batalhas que estas pessoas estão travando. Esta atitude ajuda ambos os lados a crescerem e transporem de nível.

Assim, na perda existem muitos níveis de impacto como por exemplo, a perda em um jogo de cartas e a perda de um ente querido. Enquanto uma é sem importância e momentânea, a outra é brutal e duradoura. Como então reagir adequadamente a cada grau de perda?

Bem, para a maioria de nós, muitos aforismos causam mais raiva do que amenizam a dor por serem vazios e apenas descobrirmos sua tolice quando estamos no meio do fogo cruzado, tais como: Você tem que se desapegar; É da vontade de Deus; Ofereça a Deus sua dor; Você tem que dar a volta por cima; O tempo a tudo cura; Você irá aprender com esta experiência; O que não mata, cura; Quando uma porta se fecha, outra se abre. Tais máximas, são tão superficiais quanto dizer a alguém faminto para que se mantenha bem alimentado.

Saiba que o apego desmedido a algo é um engano de nossos sentidos, pois, queremos completar o que nos falta aqui dentro com aquele objeto de desejo, opostamente, devemos saber que a plenitude antes de tudo, é um estado de espírito que se adquire com a experiência nos mecanismos da vida e que o amor é maior que a distância da separação, maior que o tempo e mais forte que a morte. E estas coisas já foram provadas inúmeras vezes, inclusive na cruz. Aprender a estar sempre completo em si mesmo demonstra sabedoria ante a impermanência de todas as coisas em nossa vida, inclusive a nossa própria vida. Guardarmos no coração o amor que se foi e nos alargarmos para abarcar novos amores é plenamente salutar, mas estes, precisam ser verdadeiramente aprendidos e compreendidos.

Precisamos entender que nosso coração não é tão estreito quanto muitos o tornam, ali há muito, mas muito espaço disponível para abrigar a todos. Precisamos entender também, que a cada respiração nossa, o mundo lá fora e aqui dentro se transforma. Devemos acordar para esta verdade, o de a vida ser dinâmica e mudar sua face constantemente. A propósito, as mudanças são necessárias, elas dão início as renovações, que por sua vez iniciam o processo de cura de feridas que ainda estavam abertas, restaurando nossa paz e unidade interior, e assim, nos preparando para um recomeço mais equipados como uma manhã ensolarada após uma noite de tempestade.  

Não costumo fazer uso de músicas seculares em meus conceitos, mas há esta exceção por ser uma verdade também experienciada pelo Lulu Santos:

Como Uma Onda
Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará;
A vida vem em ondas como um mar, num indo e vindo infinito;
Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo. 
Tudo muda o tempo todo no mundo;
Não adianta fugir, nem mentir pra si mesmo agora. Há tanta vida lá fora. 
Aqui dentro sempre como uma onda no mar...

Na verdade, não existe ao menos uma formula mágica ou uma 'receitinha de bolo' para nos salvar das consequências da perda quando estamos vivenciando uma destas experiências em sua porção ruim. Este é o preço pago pela inconsequente irresponsabilidade perante a fragilidade do viver. Assim, assuma uma postura diferente de agora em diante sobre a efemeridade de nosso contexto, pois, como estar apegado a algo quando tudo está em constante mudança? Reflita sobre a dinâmica da vida, aprenda a tolerância e acima de tudo a permissão. Aprenda a deixar ir assim como faz com as coisas ruins, também as coisas boas, e de mesmo modo, a arrumar aquele lugar para que outras possam ali se estabelecerem.

Sendo que tudo está em constante movimento, não queira lutar contra esta força poderosa, é disto que provém as dores da perda. Não perca suas energias lutando contra as mudanças, aliás, para que elas aconteçam, nem precisam de você, assim, permita-se suavemente ir no mesmo fluxo. Faça desta direção a sua direção. Nadar contra um rio poderoso de nada adianta, apenas acrescenta mais frustração. Portanto, quando suas forças estiverem aquém das poderosas mudanças, procure sabedoria neste processo para que possa ter pelo menos o controle de si próprio para se conduzir através desta direção a que esta sendo arrastado. Bem disse Buda dentro deste contexto quando aconselhou os ouvidos atentos: "Se você quer proteger seus pés das pedras e dos espinhos, não tente cobrir o mundo com couro, antes, cubra seus pés com sapatos". 

Entenda de uma vez por todas que em nossa vida reveses podem ser tão comuns e imprevisíveis quanto o falseamento dos pés em pedras lodosas, contudo, o grau de importância destes depende apenas da escala que vamos lhes atribuir. E quando isto tiver que ser feito, lembre-se dos acontecimentos políticos, sociais e particulares de grande relevância em sua vida em tempos passados e de sua importância hoje. Deste modo estará melhor apto a escalonar a perda de hoje tendo em vista sua importância amanhã. 

Também é de valor a nós considerar que, já que nada é fixo, portanto tudo é possível. Cada ação nossa, nos retorna alguns resultados, isto significa que é plenamente possível administrar nossas vidas para o benefício nosso e comum.

A bem da verdade, cada dia que passa, nós perdemos um pouco de nossa vida e esta é o maior bem que possuímos. O dinheiro levado conquistamos novamente, o bem perdido é comprado outra vez, o ente querido que se foi, permanece vívido em nós e na esperança de um prometido reencontro, mas aquele tempo nosso esvaído, este o perdemos para sempre. Assim, perda sobre perda, vamos diminuindo nossos passos e nosso ritmo, o corpo vai ficando pesado enquanto o espírito vai se tornando mais leve, e então, a mente sossega e o entendimento expandido percebe todas as perdas passadas como ganhos. Assim chegará o dia do repouso onde nada é feito, contudo, nada deixou de ser feito, desta forma, o rio cumpriu bem seu caminho e chegou em sua foz onde nos entregará para ser parte do Todo e aquilo que era a última perda, neste instante se reverte em ganho... Que assim seja!

Um comentário:

  1. sou uma cética que crê em tudo,uma desiludida cheia de ilusões, uma revoltada, que aceita, sorridente, todo o mal da vida, uma indiferente a transbordar de ternura- Florbela Espanca

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