Sempre que me defronto com a famigerada pergunta ou com aquele incômodo cadastro em que indagam a minha idade, me vejo obrigado a responder timidamente em termos numéricos apenas, já que o importante destes números acumulados, não se consegue expressar nas entrelinhas da excelência que representam.
Assim, como explicar tais adjetivos implícitos a quem não compreende? Como explicar o doce para quem nunca o provou?
Ao mesmo tempo em que isso está acontecendo, um turbilhão de recordações se passam em minha alma como um filme autobiográfico acelerado e então, respondo em silêncio ao nada, pois quem teria a paciência de escutar ou daria o seu tempo a isso? Em que chamaria a atenção a senilidade num mundo louco pelo novo e pelas últimas novidades? Esse aditivo moderno subjuga tanto a consciência coletiva, que comumente muitos estão dispostos a pagar um alto preço por ele.
O que eu respondo...? Ahh sim... respondo em um relance a mim mesmo, que tenho idade para observar tudo com mais calma e ponderar na experiência antes de emitir um juízo. Que tenho a idade de não mais comprar as ilusões que a inexperiência projeta na tela da vida. Que tenho idade suficiente para saber que nunca fui um super-herói para me lançar em uma ingênua coragem sobre o desconhecido. Que tenho os anos necessários para que as labaredas da paixão pelas aventuras não mais me consumam e nem me joguem no cárcere de um entretenimento qualquer. Que tenho os anos necessários para viver livre do medo que sobrecarrega a maioria, porque já vivenciei e andei por muitos caminhos, velhos conhecidos meus.
O acúmulo da idade nos torna quase que um profeta das circunstâncias, pois a experiência nos permite prever o futuro com uma precisão não muito longe da divina. E qual o valor disso? Neste mundo moderno, nada disso possui valor, exceto a nós mesmos! Eis o motivo de viverem apenas para as auto-satisfações enquanto a tartaruga avança a frente da lebre em anos de vida. E quando as suas ilusões terminam em danos, nos acusam de ter rogado praga pelos infortúnios que os acometeram. Isso funciona tal como conselhos de pai e mãe aos filhos.
Porém, parece que a idade faz as coisas terem um sabor diferente, é como a juventude, mas as avessas. Se assemelha a uma gangorra, na meninice aquilo que menos importava, na senilidade é o que mais importa. As coisas ganham pesos e dimensões muito diferentes e esses contrastes dos extremos acabam se combinando, se confundindo. De qualquer forma, não é fácil conformar-se de que os demais não compreendam este processo que vai chegando devagarinho e nos engolfando, é como o passarinheiro, ele vai envolvendo sua presa lentamente.
A vivência com os demais, nos submete a este julgo que criaram para nós e que amanhã eles, por ironia, terão que vesti-lo também sob seus próprios ombros, provarão de suas próprias regras, entretanto, não reconhecem isso para si mesmos pelo desdém que fazem da força do tempo. Tal susto acometerá a muitos da noite para o dia, porque para enxergar este processo e preparar-se antecipadamente exige uma profundidade de espírito muito grande, coisa que desapareceu a muito neste mar humano agitado, onde literalmente todos, ao contrário da reputação de nosso Senhor, andam apenas na superfície das águas profundas.
As rugas são as marcas indeléveis que delatam aonde estiveram as nossas alegrias e as nossas mágoas. Ambas as emoções se confundem em uma corporificação evidente, coisa que não se observa na ingenuidade juvenil. Eis a quantificação dos ensaios de vida, que a veja quem puder ver! Estas são como os sulcos do arado na terra que definiram os caminhos da vida. O arado rasgou a terra e a sua aparência agora parece inerte, mas dali pode brotar muita vida se bem cuidada e bem aproveitada. Porém, infelizmente macacos darwinianos não possuem capacidades cognitivas profundas para tal investigação por se tratar de uma aptidão, ou melhor, de um dom maior de que a quiromancia exigiria em razão das entre-linhas dizerem mais que as próprias linhas. Em suas visões levianas, pensam que não há como tirar o sustento de uma terra tombada, árida e sem vida. Pobres coitados! Vão então e reinventem a roda...!
Esta aparente resiliência, não é preguiça, não é esquecimento, não é surdez, não é demora, não é distração, na pior hipótese são as pequenas limitações que vão chegando, entretanto, são as ponderações em meio a muitas informações que estão sendo coletadas.
Mas nem tudo é tão divergente assim, há muitas situações idênticas. Por exemplo, todos queremos ser eternos filhos, queremos ser protegidos, desejamos atenção, queremos ser escutados, queremos o colo materno quando a vida nos agride e machuca, desejamos os mesmos mimos dados aos filhos pequenos da comida preferida, da cama arrumada, da roupa limpa, dos remédios na hora certa, da festinha de aniversário, das lembrancinhas, dos passeios, das brincadeiras, da conversa jogada fora.
Quanto mais nosso vigor esvai-se, mais sozinhos nos sentimos sem que ninguém compreenda por que o inevitável aconteceu e isso é angustiante. A caminhada em direção a foz foi longa e desigual, o corpo de soldado já está exausto, sobrecarregado e ferido, as vezes simplesmente fica impossível combater a nosso favor. Mal sabem das lutas que travamos a favor de nós mesmos, mas o tempo tem cobrado seu tributo. Por favor nos deem o direito de nos sentirmos cansados.
A força de um homem deveria se desvanecer diante da fragilidade de um pai e mãe...
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