sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Porcos Assados

* Texto adaptado
Certa vez irrompeu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos que foram assados pelo fogo. Os homens que até então comiam carne crua, experimentaram a carne assada. Acharam-na deliciosa. A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque porque a caça ficava mais fácil e a comida pronta por tabela. O tempo passou, e o sistema de assar porcos continuou basicamente o mesmo.

Mas as coisas nem sempre funcionavam bem na 'Porco Assado Ltda.': Às vezes os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. Os especialistas alegavam que o fracasso da produção se devia à indisciplina dos porcos que não permaneciam onde deveriam, bem como, à inconstante natureza do fogo tão difícil de controlar, ou ainda, às árvores excessivamente verdes ou secas, ou à umidade do solo, ou ao serviço de informações meteorológicas que não acertava a previsão do tempo.

Como se pode ver, era muito difícil isolar o problema – na verdade, o sistema para assar porcos se tornou muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: Havia maquinários diversificados, indivíduos dedicados a acender o fogo – os ignotécnicos – os especialistas em ventos – os anemotécnicos e por aí vão os muitos departamentos. 

Os ignotécnicos se subdividiam em categorias conforme o treinamento: Ignotécnicos da cabeceira, da retaguarda, de inverno e de verão, de fogo diurno e de fogo noturno e assim por diante. Havia um diretor-geral de Assamento e Alimentação Assada, um diretor de Técnicas Ígneas, um administrador de reflorestamento, um administrador de florestas, uma comissão em auditoria de treinamento profissional em suinocultura, um Instituto superior de cultura suinológica, um grande laboratório de pesquisas e desenvolvimento de assamento suíno, dezenas de zoólogos dedicados à alimentação balanceado dos porcos, além de fábricas de ração suína, um departamento de importação, um de exportação, um comercial, setor de manutenção entre muitos outros aparatos.

Eram milhares de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes e a produção de chamas mais potentes. Havia grandes instalações para confinar os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair e encaminhá-los apenas no momento oportuno.

Mas um dia, Joboão, um ignotécnico do grupamento retaguarda-verão-diurno, resolveu dizer que o problema tinha fácil solução devido suas muitas observações práticas em campo. Por diversas vezes, ele notara que os porcos dependurados pelas encostas e assados apenas pelo calor do fogo abaixo, ficavam com a carne mais saborosa e com textura macia. Assim, bastava matar o porco antes, limpá-lo, cortá-lo adequadamente e colocá-lo em uma grade de ferro suspensa sobre brasas até que o efeito do calor e não das chamas, assasse a carne de modo assistido, até o ponto correto.

Tendo sido informado sobre as idéias de Joboão a muito divulgadas por ele em ouvidos surdos, Jequitinhão, o diretor-geral de Assamento e Alimentação Assada, mandou chamá-lo ao seu gabinete. Reclinando em sua suntuosa poltrona, com os braços cruzados na nuca, ria em gracejos e dizia:  
- ró, ró, ró, ró. O senhor não deveria se preocupar com esse tipo de assunto, temos tudo sob absoluto controle. Somos especialistas, pois, há anos fazemos isso. Apesar de tudo o que o senhor propõe ter uma aparência lógica, entretanto, não funcionaria na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos caso viéssemos a aplicar a sua teoria? E com os ignotécnicos de diversas especialidades assim como você? E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos e maquinários? E os conferencistas e estudiosos que ano após ano têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? O que eu faria com meu bom amigo (e cunhado), presidente da Comissão para o Estudo do Aproveitamento Integral dos Resíduos das Queimadas? O que eu faria com todos eles e os demais, se a sua sugestão fosse aceita?
- Não sei... ia dizendo Joboão encabulado.
- O senhor percebe agora que a sua ideia não atende às nossas conveniências? O senhor não vê que, se tudo fosse tão simples assim, nossos especialistas de confiança já teriam encontrado a solução há muito tempo? O senhor com certeza compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a assar porcos sobre brasas, sem necessitar do controle dos ventos, isso é loucura! O que o senhor espera que eu faça com os caríssimos quilômetros de bosques já preparados, cujas árvores não dão frutos e sequer têm folhas para dar sombra? E o que fazer com nossos engenheiros em suinopirotecnia? Vamos, diga-me!
- Não sei, senhor.
- Além do mais, nossos clientes estão satisfeitíssimos com a qualidade dos nossos assados. Eles são nossos parceiros, jamais nos abandonariam por causa de um ou outro porco um pouquinho fora do ponto.
- Certo. Porém senhor, não é bem isso que eu escu...
- Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia por aí dizendo a besteira de que você consegue resolver tudo facilmente, mais barato, com pessoal reduzido e com a utilização de pouco espaço. O problema é bem mais sério do que o senhor imagina em sua insignificância. Aqui entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua ideia – isto poderia trazer problemas para o senhor na empresa.

Joboão não deu mais um pio. Sem se despedir, meio atordoado e assustado com tanto blá-blá-blá para explicar teorias de escritório, saiu de fininho, pediu as contas e abriu sua indústria de porco assado de alto padrão e se deu bem. Após poucos anos, não mais se ouvia falar da 'Porco Assado Ltda.', pois, havia se convertido apenas para uma granja de porcos que fornecia a matéria prima para 'Leitão a Pururuca Ltda.' do sr. Joboão.

Adaptação do texto 'fable de los cerdos asados o la reforma de la educación' (Gustavo F. J. Cirigliano) - Do livro 'Juicio a la escuela', Buenos Aires: Humanitas, 1976.

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